Heidegger, M. (2002). Ensaios
e Conferências. (pp.11-38). Petópolis: Editora Vozes: Petrópolis. pp.11-38
MartinHeidegger, foi o pensador do século XX, que mais insistiu na importância da
técnica para a compreensão da modernidade. Foi no seu texto “A questão da técnica”, que se encontra
a formulação mais completa da sua interpretação.
Heidegger,
ao questionar a técnica, dá início a um processo meditativo que tem por
finalidade tornar aparente a essência da técnica e daquilo que é técnico.
Heidegger,
no início do texto “A questão da técnica” descreve o que ele considerou a
relação entre a causalidade e o que há de instrumental na técnica. Sua
interpretação dos conceitos de causalidade e télos abre uma nova perspectiva, tanto
no fazer como no pensar.
Heidegger apresenta
outro tipo de explicação para o que se entende tradicionalmente por
causalidade, no sentido de se procurar um fim ou um objetivo. Neste sentido, o
fim é o início da coisa criada, na interpretação de Heidegger, é o seu télos. A
causa é entendida como um comprometimento entre o que primeiro causou e que, no
presente mantém o "efeito".
À medida
que existimos, estamos comprometidos com o que nos causa e com o que causamos.
Somos culpados por existir, pois estamos comprometidos com nós mesmos. Esse
comprometimento amplia-se quando, convocados pela Gestell, correspondemos ao
seu apelo, simplesmente calculando. Essa correspondência já é uma "cumplicidade",
um comprometimento. É nessa situação que o não-presente se presenta, se produz
como poiesis.
Na sua
origem, a técnica mais antiga, entendida como techne, já pertence à poiesis. Pode-se
afirmar que quer a techne como episteme são modos de desabrigar, e ambas são em
sentido amplo, nomes para o conhecer. Ambas, significam ter um bom conhecimento
de algo, ter uma boa compreensão de algo.
A técnica
moderna é também um desabrigar, mas não no sentido da técnica manual mais
antiga, como um desabrigar da poiesis. A physis transformada em natureza, é um
desabrigar que desafia o cultivo como produção. Deste modo, a técnica provoca e
convoca homem e natureza.
O desabrigar
que domina a técnica moderna é um desafiar que estabelece, para a natureza, a
exigência de fornecer energia susceptível de ser extraída e armazenada enquanto
tal.
Segundo
Heidegger, o produzir da poiesis, leva o que está oculto ao seu desocultamento.
O processo poiético é, portanto, alethéico que, significa desvelar. E o que se
mostra no desvelamento é a verdade. A verdade como representação é o
ocultamento da verdade como alétheia. Assim, a técnica pensada como meio para
fins é um encobrimento do seu ser que permanece não-questionado. A técnica não
é, logo, meramente um meio. É antes, um modo de desabrigar.
Neste jogo,
o papel do humano é o papel da representação e da correspondência a um apelo. O homem está
ao serviço da técnica quando a apoia fervorosamente e ainda quando a nega
absolutamente. Negar ou aceitar são ambas atitudes cegas, correlatas das
concepções de mundo e das ideologias em geral.
É por esse
motivo que a técnica moderna não é um mero fazer humano. Segundo Heidegger, esta
determinação é dada, pela essência da técnica, à qual, nesse sentido, o homem
corresponde, ou responde ao apelo. O que apela ao homem é o que subsiste na
invocação que requer e desafia: é a essência da técnica, denominada Gestell.
Como já
referimos a essência da técnica é o que Heidegger chama de Gestell: uma
interpelação produtora que põe o homem a desvelar o real como fundo de reserva
no modo do encomendar, assim permanecendo condenado à vontade do cultivo do que
é calculável em sua facticidade.
Gestell significa
uma estrutura ou armação, algo como uma prateleira de livros; eidos significava
cotidianamente aparência de uma coisa visível.
O homem,
sujeito da técnica e sujeito à técnica, revela-se não como subjectum, mas como
aquilo que se sujeita, se submete à técnica. Nesse sentido, a subsistência não
é o homem, mas a própria essência da técnica: a Gestell. Todo trabalho técnico
desenvolvido pelo homem é, segundo Heidegger, apenas uma correspondência ao
desafio apelativo da técnica. A técnica, em essência, não é nada de técnico.
Nas
palavras do filósofo: “Armação
significa a reunião daquele colocar que coloca o homem, isto e, o desafia, a
desabrigar o real como recurso no modo do encomendar” (Heidegger 2, p. 20).
Assim, armação
significa a reunião daquele pôr que o homem põe, isto é, desafia para
desocultar a realidade no modo do requerer enquanto subsistência. Armação
significa o modo de desabrigar que impera na essência da técnica moderna e não
é propriamente nada de técnico.
A armação é,
enfim, a essência da técnica moderna. Assim como a essência da técnica clássica,
ela também e um modo de desabrigar. Mas e um modo de desabrigar que desafia e não
que produz.
A técnica
em sua essência não é realizada pelo homem simplesmente, pelo contrário, ao
corresponder ao apelo gestéltico é a técnica que efectua o homem. O homem nem
perfaz nem efectua a técnica. Mas essa armação (Gestell) é um modo de
desabrigar, é alétheia, e, assim, torna verdadeira a moderna ciência da
natureza, desabrigada da physis e entendida agora como representação, como
natureza. Objetivada como natureza, tornada objeto para um sujeito, ela
corresponde à "postura requerente do homem", que funda a ciência
exata da natureza.
Heidegger
reconhece como já foi mencionado que a ciência exata da natureza, em termos
historiográficos, é anterior ao advento da técnica moderna, mas somente em
termos historiográficos.
Embora não
seja dirigida pelo homem, a técnica, não está além de um fazer humano. O homem
guia e é guiado pela técnica.
Heidegger
afirma que a essência da técnica é ambígua, da mesma forma que a essência de
todas as demais atividades humanas o são, porque fecha e, ao mesmo tempo,
revela. Porém, a armação (Gestell) carrega consigo um risco muito maior, quando
pensamos a forma e o tipo de exigência que nos coloca.
Na
reificação promovida pela técnica, valores, ideias e pessoas são transformadas
em objetos e moeda de troca, as instâncias do espírito se convertem em
objetivações. O que antes era incomensurável agora está submetido aos ditames
do cálculo. É nesse horizonte que a coisa é transformada em objeto. Heidegger
antevê um perigo nesse destino técnico.
Heidegger
conclui, que não é a técnica moderna em si que e o perigoso. É a sua essência,
que já penetrou na essência do próprio homem. Dominado pela armação, o homem
está ameaçado a perder a possibilidade de se voltar à verdade originária, a sua
própria verdade.
Para Heidegger,
somos conduzidos (Geschick) por um destino. No entanto esse envio histórico é
também um desabrigar, é poiesis.
Considerações Finais
Em "A
Questão da Técnica", Heidegger analisa talvez uma perspectiva que está omissa no
que diz respeito à análise do rumo das novas tecnologias e ao que está por
detrás da criação e uso da tecnologia.
Heidegger
coloca também em análise pontos pertinentes no âmbito da ética ambiental. O ser
humano destrói o planeta seja no sentido convencional, seja na perspectiva
heideggeriana , no sentido de reduzir os vários elementos do planeta a disponibilidade/
reserva através do processo de composição.
Um aspecto
que ficou excluído da equação foram também os benefícios inerentes da
utilização das tecnologias.
Neste
contexto, poderemos ou não aceitar a utilização inevitável da tecnologia, desde
que, não seja dada permissão a que a tecnologia domine a nossa essência.
Relativamente
à Gestell/armação, dá a ideia que o ser humano está confinado ao processo que o
iliba de qualquer responsabilidade. Por outro lado, se as pessoas vissem
Ge-stell como uma possibilidade, poderiam estar mais motivadas a ser críticas
em relação à sua visão do mundo. O perigo está exatamente em tornar-se esta
forma de desencobrimento dominante a ponto de o homem ver-se a si mesmo como
disposição.